domingo, 30 de janeiro de 2011

O caso de Hércules

Relato da professora Silene Feitosa –Escola João Germano,  Fortaleza-Ce.

          O caso relatado aqui tem como sujeito o aluno, Hércules (oito anos) cursando o 2º ano do Ensino Fundamental I(sendo repetente), de uma escola pública municipal, no turno da manhã e apresentando uma necessidade especial diagnosticada como TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.  Caracteriza-se por um alcance inapropriadamente fraco da atenção e/ou aspectos de hiperatividade ou impulsividade inapropriada para a idade. O distúrbio começa antes dos 7 anos e as alterações tem de durar no mínimo 6 meses para que o diagnóstico seja realizado.
            Hercules é o primeiro filho de um casal de baixa renda, cujo pai apresenta também traços de distúrbios neurológicos, a mãe dona de casa, tem outro filho menor, e diz “não saber mais o que fazer com Hércules”.
          Hércules chega à sala do 2º ano no ano de 2009, com o seguinte histórico. Transferido de outra escola no mesmo bairro, cujo comportamento, de acordo com os profissionais da escola de origem, era muito complicado, não ficando na sala, necessitando que os funcionários corressem atrás dele e nos poucos momentos em que permanecia na sala, rasgava atividades, desrespeitava os colegas com palavrões, sendo por isso mandado para casa por diversas vezes. Ao final do ano de 2008, Hércules não apresenta praticamente nenhum rendimento escolar, ficando no 2º ano novamente.
            Assim, Hércules inicia o ano na nova escola apresentando o mesmo comportamento, não fica dentro da sala de aula, rasga as atividades, não faz nenhuma atividade e nem apresenta interesse nenhum em qualquer atividade que se sugira. Apresenta-se agressivo, usa palavrões com os colegas, com a professora, além de bater e de ser áspero a qualquer contato físico, qualquer aproximação maior. Não existe qualquer relação maior com a professora, a relação aluno-professor é totalmente comprometida, a professora não consegue abrir um canal de diálogo com o aluno, não sendo escutada por ele.
             Toda essa dificuldade do aluno é percebida até nos momentos lúdicos. Ele apresenta dispersão e a falta de interesse.  Levanta-se várias vezes da mesa, pega o lápis do colega, grita.
              No ano de 2009, Hércules chega a uma sala cuja rotina, proposta pela professora, é marcada pela vivência de atividades com Valores. A professora utiliza as ferramentas do Programa Vivendo Valores na Educação - VIVE como a escuta ativa e a resolução de conflitos, acordos coletivos dentro da sala e dos acordos individuais (feitos com o próprio aluno). Com isso, é possível vislumbrar mudanças que favorecem consideravelmente a aprendizagem do aluno. Cita-se o exemplo: Hércules, através de um acordo individual entre ele e a professora, acertou que a ida ao banheiro só poderia ser feita no início da aula, anteriormente o aluno tinha o hábito de ficar passeando pela escola, usando a desculpa de estar com vontade de ir ao banheiro.
         Hércules também começa a responder com responsabilidade. Quando em uma ocasião ele não trouxe nenhum material escolar (caderno, lápis e agenda) para a sala de aula, a professora, através da escuta ativa e do diálogo, inicia uma conversa com o aluno sobre o porquê da necessidade do material escolar estar na sala. É acordado entre eles que será dado uma folha e um lápis para que ele possa fazer a atividade naquele dia. Mas, que no dia seguinte ele deve comparecer a escola trazendo todo o material solicitado. Na aula seguinte ele chega e mostra a professora que ele havia cumprido o acordo, trazendo todo o material necessário para participar da aula.
        Essa atitude, mesmo que pequena, é um indicativo de que o acesso ao aluno e as respostas que o mesmo dá aos estímulos recebidos podem favorecer a sua mudança de atitude e com isso ajudá-lo em sua aprendizagem. Hércules consegue retomar sua socialização com as outras crianças, respeitando-as e sendo respeitado por elas. Depois da postura valorosa da professora, Hércules consegue participar  das atividades e manter um contato mais respeitoso com os colegas e com a professora.
         Como ressaltado anteriormente, o início das atividades diárias é marcado pela acolhida, atividade realizada no pátio com as turmas. Solicita-se que se sentem, colocando-se uma música para tranqüilizar e fazer parte desse momento. Conversa-se com os estudantes sobre o tema que está sendo abordado (amor, respeito, paz etc.), fazendo um paralelo com a realidade da escola, o que está acontecendo naquele momento. As crianças são convidadas a participar com depoimentos e canções.
          Em um desses momentos, Hércules levanta-se  de onde está sua turma e vai para o bebedouro. Lá se encontra com um colega de sala e iniciam uma discussão, na qual  ambos  falam mal  das mães um do outro e partem então para a agressão física entre eles. A professora percebe  a situação e se encaminha para o local. Chegando lá, a professora intervém, convidando-os para voltarem para a acolhida.  Hércules responde positivamente, dizendo: “não foi nada, tia, besteira mesmo”. Já o outro menino não consegue retornar. Com muita raiva, não consegue diluir internamente o sentimento causado  pela discussão entre eles, mesmo com a  fala de Hércules.
            Dentre seus projetos, a escola possui um em que é oferecido aulas de judô. Hércules mostra interesse em participar, mas um dos requisitos para participar do mesmo é frequentar as aulas, bem como cumprir com os deveres de um aluno (como tarefas, comportamento adequado etc.). A princípio Hércules, após as devidas explicações, começa a participar das aulas de judô, mas logo começa a descumprir as regras combinadas. Sendo chamado para uma conversa, o aluno começa a arranjar desculpas para não cumprir as regras, como não estar se sentindo bem, que os colegas mexem com ele, etc. Nova oportunidade é dada e novamente após um tempo Hercules repete a atitude, não assistindo as aulas regulares e se negando a fazer as atividades.
          Uma nova medida é tomada, dessa vez o aluno é suspenso do projeto até que resolva mudar de atitude e comunique verbalmente esse desejo. Hércules tenta algumas vezes participar das aulas de judô, mas logo é retirado, sendo a professora amorosamente firme no que foi combinado com ele, refletindo através de perguntas sobre o que foi acertado, o que ele estava fazendo, se a atitude dele estava conforme o combinado. O aluno procura a professora no dia seguinte dizendo que vai cumprir as regras, pois deseja muito participar das aulas.  Hércules começa então um processo de reconhecimento da escola, suas regras e limites. E que é importante perceber as conseqüências dos atos que se tem.
        O envolvimento e o investimento realizado em sala e na acolhida com as atividades do VIVE oferecem um ambiente favorável para que as capacidades de Hércules possam florescer, dentro do seu limite e da sua necessidade especial. Sua concentração parece melhorar, ele participa da rodinha de conversa, socializando suas experiências e escutando os colegas. Atualmente consegue participar dos momentos de socialização da escola, como o dia das crianças, demonstrando gostar  através do canto, do ficar no local estabelecido e respeitando as regras do momento o “sentir-se bem” no ambiente escolar Em determinados momentos Hércules retoma as atitudes de desrespeito e agressão que tinha anteriormente e parece que todo o investimento foi em vão, mas com a constância das atividades com  valores e o respeito que sente ao ser tratado dentro da escola, faz com esses momentos fiquem cada vez mais espaçados.
           A modificação que se percebe na área educacional, vem acontecendo de uma forma muito lenta. Porém já existem alguns movimentos em busca de uma Educação que contempla o ser integral, que leva em consideração todos os aspectos que envolvem o ser humano.
           Dessa forma, o Programa VIVE faz um resgate na educação em Valores, que são essencialmente humanos e que permite vivências de uma forma integral, contribuindo assim para a formação de um ser completo, mais equilibrado e harmônico.
         Os resultados que se percebe, através das atitudes dos alunos no âmbito escolar, leva-nos a perceber a contribuição e validação do Programa VIVE. A criação dessa atmosfera de respeito pelo ser humano, na escuta, no abraço, no sorriso, favorece para que o aluno sinta-se amado, respeitado e assim possa mostrar melhor disposição para a aprendizagem.